A pergunta “Quem não dá o dízimo pode perder a salvação?” tem sido recorrente entre cristãos preocupados com a fidelidade a Deus e o destino eterno da alma. A resposta, no entanto, exige uma abordagem que vá além do senso comum, explorando fundamentos doutrinários, exegese bíblica e princípios da soteriologia cristã.
A origem do dízimo e seu papel na Antiga Aliança
O dízimo, do hebraico ma‘ăśēr (מַעֲשֵׂר), significa literalmente “décima parte”. Instituído no Antigo Testamento, ele fazia parte da Lei Mosaica e tinha finalidade específica: sustentar os levitas, sacerdotes e prover para os necessitados (Números 18:21-24; Deuteronômio 14:28-29). No contexto da Antiga Aliança, o não cumprimento dessa ordenança era considerado uma transgressão à lei de Deus, sendo classificado como “roubo” em Malaquias 3:8-10.
Contudo, é fundamental compreender que a teologia da salvação — soteriologia — não se fundamenta na obediência a mandamentos cerimoniais da Lei, mas na fé em Jesus Cristo.
Soteriologia: a salvação é pela graça ou por méritos?
Segundo Efésios 2:8-9, “pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.” Portanto, a salvação não depende da entrega do dízimo, nem de qualquer outra obra que o homem possa realizar, mas da fé genuína em Cristo.
Ao perguntar “quem não dá o dízimo pode perder a salvação?”, é necessário separar duas doutrinas distintas: salvação e mordomia cristã. A primeira é um dom imerecido; a segunda, uma expressão de gratidão e responsabilidade diante de Deus.
O dízimo no Novo Testamento: prática ou princípio?
No Novo Testamento, não há uma ordenança explícita para que os cristãos entreguem o dízimo. Jesus menciona o dízimo em Mateus 23:23, mas dentro de um contexto farisaico, criticando a hipocrisia religiosa. Paulo, por sua vez, ensina sobre contribuição com generosidade e voluntariedade (2 Coríntios 9:6-7), sem estipular porcentagens fixas.
Assim, a doutrina neotestamentária desloca o foco do legalismo para a liberalidade do coração, indicando que o dízimo é um princípio de mordomia, não uma condição para ser salvo.
Quem não dá o dízimo pode perder a salvação?
Voltamos à questão principal: quem não dá o dízimo pode perder a salvação? Tecnicamente, a resposta é não — pelo menos do ponto de vista da ortodoxia reformada e da teologia bíblica. A salvação é obra exclusiva de Deus, baseada na fé e no arrependimento, não nas contribuições financeiras.
Contudo, a negligência no dízimo pode revelar um coração indiferente, ingratidão ou até idolatria do dinheiro, o que são sintomas de um problema espiritual mais profundo. Em casos assim, o problema não é o dízimo em si, mas o estado da alma.
A mordomia como evidência da fé salvadora
Embora não seja um critério de salvação, o dízimo pode funcionar como termômetro espiritual. Um cristão maduro reconhece que tudo o que tem vem de Deus e responde com generosidade e fidelidade. Portanto, a ausência constante de entrega voluntária pode indicar uma fé nominal ou estagnada.
Conclusão
A pergunta “quem não dá o dízimo pode perder a salvação?” precisa ser respondida com clareza teológica e equilíbrio bíblico. A salvação não está condicionada ao dízimo, mas à fé em Cristo. No entanto, o dízimo continua sendo um indicador de obediência e gratidão. Ignorá-lo sistematicamente pode ser um sinal de que algo está errado no relacionamento com Deus.
Em resumo: não, quem não dá o dízimo não perde automaticamente a salvação, mas deve examinar o próprio coração à luz das Escrituras e considerar se está vivendo uma fé que realmente transforma.
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